O trabalho produtivo e industrial
se conecta, na forma de um indecidível (Derrida), uma razão dialética sem síntese, ao
trabalho doméstico disciplinado, ao modo como o vivemos hoje em dia. Os dois
são formas de traição e perversão da dignidade e saúde do corpo humano e dos
corpos dos outros animais e dos vegetais e minerais, e da água é claro. O
trabalho doméstico é feito com amor diminuído e subalterno à importância única
e exclusiva do trabalho produtivo e de valor comercial: as mulheres tentam
manter a sua e a dignidade dos seus familiares, mas fazem isso com boa dose de
inveja, maldade, rancor e desligamento de ideias criativas sobre preservação e
qualidade daquilo que fazem, ainda que façam tudo, há milênios, com todo o
cuidado que lhes sobra, no seu pensamento reduzido à ausência de valores
enunciáveis, mulheres emudecidas. À violência e brutalidade da indústria
corresponde a repetição inglória do cuidado da vida no lar. O lar acaba sendo
um lugar de menos-valia, reduzido à recuperação da força de trabalho industrial
ou ao poder do comando industrial.
É nesse lugar doméstico estranho,
privado e íntimo, mas também inglório (que não aparece de fato nas televisões,
nem -realmente- nas redes sociais), lugar das brigas mesquinhas, repetitivas e
inconclusas, nesse lugar das solidões sinceras, que vemos o sexo perder o
sentido, a memória e envelhecer.
Não há como localizar o feminismo
em algum, ou alguns grupos de pessoas livres desse enredo escravizador do
duplo: trabalho industrial versus trabalho doméstico. Na sociedade capitalista,
o feminismo só pode ser uma rebeldia exatamente nesses lugares onde os dois
trabalhos, o doméstico e o industrial, são humilhados.
Não há feminismo em estado puro
na sociedade capitalista. Todo feminismo é sempre um instante dentro de uma
construção mais estável e patriarcal. O Patriarcado não é um poder referente aos homens como indivíduos, ele é um conjunto de formas e leis que produziram a divisão entre o trabalho industrial e o trabalho doméstico. Não há desconstrução do Patriarcado que deixe de desconstruir a totalidade do sistema que produz Capital em detrimento de uma vida boa e digna para todos os seres vivos e o seus ambientes.
Assim, o feminismo não é atributo de um
ou mais grupos de seres individuais. Ele é sempre um fluxo que invade, alimenta
e se esvai em direções inéditas, indecidíveis. Não há um discurso feminista
pleno e estável. O Feminismo é um acontecimento mutante, inapreensível por
qualquer discurso padrão. Feminismo é rebeldia e é anterior a qualquer linguagem.
Seria possível um movimento feminista que construísse a potência de uma revolução anticapitalista? Sim, na medida exata em que ele fosse capaz de propor-se a invadir todos os espaços do mundo dos trabalhos, doméstico e industrial. No momento em que ele fosse capaz disso já não seria mais um movimento feminista, seria algo sem nome. Não há nomes para uma nova civilização não capitalista. O nome sucede o acontecimento.