Debate Paulo Torelly e Dinah Lemos - sobre o tamanho do mal




Paulo Torelly - Olá, Dinah Lemos: não estava em POA no final de semana e acabei não te respondendo antes, pelo que me desculpo. Não alimento nenhuma teoria da conspiração ao ponto de acreditar em algo pensado nos detalhes, mas concordo contigo que os retrocessos de hoje decorrem de uma concepção autocrática de mundo e de sociedade dos segmentos dirigentes e hoje golpistas, o que sempre existiu e ganha força na atual conjuntura. Há muito defendo ser imprescindível a democratização das entidades da sociedade civil para podermos constituir uma cultura de respeito do ser humano pelo ser humano. Mas é inegável a gravidade e o impacto da notícia aqui compartilhada diante deste agora assumido desprezo pelos princípios do direito. O fato é que os modelos totalitários de governo se colocaram e ainda se colocam – para todas as ideologias – como uma das hipóteses possíveis de gestão estatal na modernidade. Não podemos esquecer que em abril de 1964 nem mesmo os maiores golpistas podiam imaginar – mesmo que desejassem – os desdobramentos que culminaram com o AI-5 em dezembro de 1968. Lembro de Octavio Ianni, amigo de FHC e grande crítico de todos os seus governos: “O macartismo, o reganismo e o thatcherismo sugerem que mesmo em regimes liberais-democratas podem ocorrer surtos autoritários, com ingredientes fascistas. Aliás, seria ilusório esquecer que alguns ingredientes da cultura nazi-fascista germinam todo o tempo, contínua ou ciclicamente, no bojo da sociedade burguesa.” (IANNI, Octavio. 'A sociedade global.' 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 28-29.). O que também faz lembrar o alerta de Zygmunt Bauman e de todos os críticos do nazi-fascismo: “A resistência em aceitar a lição do Holocausto manifesta-se primariamente nas múltiplas tentativas de exorcizar ou marginalizar o Holocausto como um episódio histórico único” (BAUMAN, Zygmunt. 'Modernidade e ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 27.). GOLPE É GOLPE! Fiquemos atentos!!!

Dinah Lemos - Obrigada pelo comentário. Muito bom, mas acho que mistura uma análise correta e densa com uma abordagem de que seria uma espécie de repetição formal cíclica de um monstro da maldade, uma violência em excesso produzida pelos sistemas de dominação de elites humanas, em tempos diferentes. E que poderíamos perceber esses momentos e reagir para garantir um status quo anterior a isso, um estado de menor incidência dessa mesma maldade, uma incidência em patamares suportáveis. Eu acho essa lógica, própria da socialdemocracia, ineficiente, inválida, porque ela não observa um processo que é histórico e que eu vou marcar a partir de 1500, com o renascimento e as grandes navegações posteriores aos séculos XII ao XIV. Esse processo, segundo Einstein, vai bater em um muro no que diz respeito ao 'progresso tecnológico". Eu entendo que esse muro está visível já e que as elites capitalistas estão tomando as rédeas para executar uma 'solução final' muito, mas muito mais definidora do modo de produção da vida no planeta do que os delírios vorazes do nazismo. Então, não lidamos com um excesso a ser contido por uma socialdemocracia conhecida. Precisamos de uma nova construção epistemológica. Precisamos pensar mais, mais corajosamente, escrever mais audaciosamente, de um modo investigativo, e sair do conforto simbólico de um passado que não voltará.