Joguei as cartas do Tarô, à minha modesta maneira. Eu jogo três cartas, a primeira é o problema, a segunda é a solução, a terceira é o caminho. Desta vez deu, nessa ordem: o louco, a força e a morte. Resumindo ao máximo: o problema é o caos atual no mundo, a solução é um novo ordenamento e o caminho é a total e radical transformação das mentalidades. Disso derivou o texto abaixo, dedicado aos meus companheiros mais sofridos de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul, na véspera do Natal. Escrevi num impulso, peço perdão pelas falhas, revisarei depois de amadurecer a reflexão.
A tese de que o Psol cravou uma
alavanca (impulsionando o MBL) em 2013 para derrubar Dilma e o PT é trágica,
porque orienta as lideranças intermediárias do PT a buscar culpados dentro do
campo da esquerda. Essa tese foi inventada para combater movimentos sociais
dissidentes e para alavancar uma disputa eleitoral dentro do campo da esquerda,
tanto para eleições do executivo e legislativo, quanto para eleições internas
aos partidos e relacionadas a disputas de direções sindicais e de diferentes movimentos
sociais. Essa tese iniciava no pressuposto de que a direção do PT tinha o
controle eficiente da frente com o PMDB, no controle do governo federal, e que
esse controle levaria o PT até às eleições de 2018, onde o inimigo seria o
PSDB. Dentro dessa tese está a compreensão de que toda a revolução da
informática, que acabaria por inaugurar um novo modo de produção do ordenamento
social e da vida cultural no planeta inteiro, essa revolução toda era NEUTRA,
era apenas tecnologia eficiente, e que esse novo modo de produção seria NEUTRO
em relação ao ordenamento jurídico e politico das nações, bastaria gerenciar
todo o acontecimento de um modo reparador dos danos causados pelo capitalismo
aos subalternos. E a direção do Psol pensava da mesma maneira, pois era
conivente com a mesma tese, mas em sua contrapartida de oposição, de que a
revolução da informática era neutra e a direção do PT conduzia seu
gerenciamento de um modo deformado, ineficiente. O fenômeno que derrubou o PT
de uma maneira insurrecional (um golpe unindo forças de junção inconsistente e
utilizando meios de natureza extralegal) não era originário em desenhos
partidários formais brasileiros, era um fenômeno mundial e nascido da
necessidade ORGÂNICA das FORÇAS PRODUTIVAS que pediam um novo MODO DE PRODUÇÃO
DA VIDA HUMANA, ANIMAL E VEGETAL. E o que alavancava essa necessidade, o que
engravidava o Planeta de uma urgência, era a parte -dentro das forças
produtivas- que equivalia ao conteúdo tecnológico, as máquinas, os saberes
cibernéticos. Nem o PT e nem o Psol, em suas direções, sabiam disso. E isso é
um pensamento fundado por Karl Marx, e de fácil aplicação. Por que não
conseguiram ver? Por que não viam (e ainda não veem) a cibernética como uma
produção de máquinas, viam-na como uma beleza estranha, uma novidade adorável,
uma sereia inevitável.
E o que impede os dirigentes do
PT e do Psol de fazerem essa auto-crítica? Um transtorno coletivo de natureza
psicológica, derivado da crença CRISTÃ (predominante no PT e influente no Psol)
de que não ver o DIABO e pactuar com ele seria um pecado capital. É essa ideia
cristã de origem PATRIARCAL que sustenta a compreensão de que o LÍDER tem que
ver toda a verdade e se não o fizer tem que ser sacrificado. Na origem
PATRIARCAL dessa ideia acoplada ao mito cristão está a lógica do MACHO ALFA, o
que comanda o rebanho, o que deve subjugar os machos mais fracos e todas as
fêmeas, pela força (que foi sempre o valor predominante como inteligência
durante toda a história da humanidade até o século XV, quando começa a fragilizar)
e, se não o fizer, será deposto e,
importante, ABANDONADO à morte. Esse mito cristão do MACHO VENCEDOR IMUNE AO
PECADO ordena toda a ética das nações ocidentais do mundo humano, ele produziu
a genética original da esquerda tradicional, a que existiu até meados do início
do século XXI.
Assim, para sair de dentro desse
luto transtornado, a parte ainda vital da esquerda brasileira precisa
relembrar-se do que ocorreu com os negros africanos por ocasião da chegada dos
espanhóis e portugueses na África, quando as tribos dominantes vendiam aos
colonizadores e escravocratas os prisioneiros capturados das tribos vencidas;
precisam relembrar-se do que ocorreu com os indígenas das Américas
pré-colombianas (Chile, Peru, Bolívia, Venezuela), quando os espanhóis foram
entendidos como “deuses aportados nas praias” e reverenciados. A parte
sobrevivente da esquerda brasileira, a composta por pessoas que ainda não têm
seu conteúdo emocional afundado numa trama de dor irreversível, precisa –
URGENTEMENTE- romper com essa mitologia machista, patriarcal, arquetípica, do
MACHO VENCEDOR IMUNE, para que possa se perdoar, perdoar seus líderes e
acolhe-los como membros participantes da comunidade, ainda que depostos como
dirigentes. Precisamos que a esquerda sobrevivente rompa com o mito do pecado
original, de que a pena – aos que erram – é o martírio, a tortura, o degredo, a
crucificação. E eu estou falando aqui sobre – e contra – o DIREITO PENAL
inscrito nas lógicas do DIREITO COSTUMEIRO, direito vivido.
Eu falo contra o martírio. Será preciso que
todos os crentes que amam a vida e a humanidade, que professam a fé na
compaixão, na fraternidade, na liberdade e na dignidade humanas, realizem em
suas mentes o entendimento de que SE
JESUS DEVESSE VOLTAR, SE ESSE FEITO DEVESSE SE REALIZAR SÓ PODERIA NASCER DA
NECESSIDADE DE QUE TODOS OS HOMENS E TODAS AS MULHERES DESCESSEM DE TODAS AS
CRUCIFICAÇÕES, na condição de “Jesuses e Jesusas” (reencarnados) E VIVESSEM UM INAUGURAL E DIVINO PERDÃO. O
mundo humano não carece de um único Jesus, a eficiência divina só poderia
brotar de uma gigantesca multidão abençoada como possuidora de Deus dentro de
si, como sendo o próprio Deus.
Parem de brigar entre amigos,
meus companheiros, pelo amor dos deuses de cada um. Pelos Jesuses e Jesusas que
estão sendo crucificados na atualidade. Comunguem em compaixão.
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