Por causa dela




Uma conversa com moças feministas motivou um comentário meu que acabou sistematizando ideias sobre os problemas do feminismo dentro da resistência à barbárie no Brasil (e no mundo). Falávamos sobre os limites da figura do Lula, o Luiz Inácio, e sobre esses limites dentro da precariedade atual da resistência brasileira, tanto orgânica quanto teórica. Nesse ponto, uma das meninas perguntou: "a saída, então, é feminista?". Minha resposta precisa ser amadurecida e melhor explicada, mas começa assim:

O problema da saída feminista (estamos falando de um novo mundo inaugurado em ruptura com essa hecatombe capitalista) é sua potência de justiça e justeza. O feminismo do século XIX tinha justeza (cabia bem certinho na época) e justiça (era sincero, acreditava em si), em suas reivindicações centrais de direito ao trabalho digno (e não apenas para operárias pobres), de direito ao voto e ao estudo. O feminismo da década de 60 tinha justeza (articulava-se às novas possibilidades culturais e técnicas do próprio capitalismo em uma fase ainda de expansão das forças produtivas) e justiça (radicalizava a bandeira da liberdade em um sentido ético pacifista). Mas o feminismo do início do século vinte e um empacou ao não romper com os limites da esquerda tradicional, tanto a socialdemocrata quanto a de tipo soviético burocrático: ele não tem justeza porque não rompe com o capitalismo em um momento histórico em que as forças produtivas estão sendo contaminadas por máquinas perversas e não tem justiça porque suas lideranças fingem autonomia, crença em si, mas sabem que são apenas um braço de articulações partidárias controladas e construídas por cúpulas compostas por homens. Temos, então, o feminismo da ONU, da Hilary Clinton, que quer dar validade a um projeto genocida do capital financeiro ao oferecer-se como bloqueador de danos e franquia ideológica legitimadora. Temos o feminismo cristão, que se mantém subordinado aos líderes homens e sua tradição teológica e o feminismo da esquerda tradicional, que sempre foi e continua sendo o "departamento feminino do partido", e foi cooptado pelo feminismo da ONU ao centrar bandeiras em aspectos legais e punitivos da violência transbordante. Finalmente, temos o perigoso feminismo radical que perde a justeza por descolar-se de seu tempo sombrio, levantando bandeiras de liberdades possíveis em 1950, mas inviáveis em cenário de guerra civil e militar intermitente e dentro da mais avassaladora barbárie (meninas de shortinhos são presas indefesas de uma selvageria estúpida e precisam deslocar-se sob proteção), e não tem justiça, porque a principal bandeira feminista do "direito ao próprio corpo" foi metamorfoseada em um direito estranho e inovador, que admite o corpo humano como máquina e, portanto, passível de ser fabricado, montado e desmontado pela sofisticada tecnologia de produção de corpos-máquinas, simulacros de corpos humanos. E essa é a grande polêmica sobre ética que o pessoal da tecnologia de ponta e do capital financeiro evita para impor sua versão de um mundo novo, mundo Matrix, marcado pelo apartheid de duas espécies humanas distintas e de diferentes tipos de campos de concentração neonazistas.

A saída feminista está em uma inovadora justeza (semelhante à do Papa Francisco), onde as lideranças feministas ousem buscar uma sinceridade fora do controle dos partidos das tradições masculinas, sinceridade teórica, epistemológica, aberta ao debate entre "irmãs" e longe do "partido". Sobretudo, a saída feminista depende do caminho que vê uma justiça na condição de sexo (mulher, homem e gêneros híbridos) a partir do direito às memórias de longa duração (tradições) combinado (aí sim, livremente) com direitos fundados pelo conhecimento da tecnologia inventada pela humanidade. Mas essa tecnologia precisa ser pensada pelo conjunto da resistência, pelo pensamento humanista reinaugurado dentro de um foco anticapitalista. E, nesse caso, a liderança feminista precisa colocar-se no interior do campo de produção de uma nova liderança brasileira e mundial para o pensamento, ou melhor, a práxis de esquerda.

Talvez a saída precise do Luís Inácio, não sei e não acredito em purismos, ainda mais estando tão ameaçados como estamos. Mas talvez o Lula não consiga erguer um novo voo sem uma bela e poderosíssima jovem mulher de candidata à vice, uma mulherona, um mulheraço capaz de despertar a ideia "eu vou votar no Lula por causa dela".

(ilustração encontrada no site https://catracalivre.com.br/geral/arte-e-design/indicacao/as-melhores-ilustracoes-de-frida-kahlo/ )

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