
A velha não mais acreditava em novelas de tv, com mocinhos e protagonistas bonitos porém vazios, genéricos, inquestionáveis em cenas onde tudo parava nos beijos, muitos, repetidos à exaustão, momentos nos quais ela não mais conseguia inspirar-se. Aquelas novelas tinham ficado parecidas com a velha e inculta pornografia masculina, sem enredo, sem tesão, só que uma mostrava as bocas e a outra mostrava os genitais, mas as duas sem acontecimentos, tramas nas quais pudesse se ver e emocionar. Ah...e o velho vestido de noiva nos últimos capítulos, a lembrar cenários emocionais do escritor Nelson Rodrigues, famoso por suas histórias de famílias perversas no estilo inconfundivelmente brasileiro. Aquilo tudo, que em outra época, servira como anestésico, agora havia adquirido uma semgracês enfadonha. O sexo dos jovens, apreciado pela velha, acontecia com a sua própria história e a dos seus conhecidos cenários. Quando ela sentia desejo e possibilidade de gozo, podia até, inicialmente, lembrar-se daquele homem cheirando à pó de café, canela e alecrim, tudo misturado com suor novo, recém vertido, e a quentura de músculos fortes; aquele encaixe impreciso e reinventado inúmeras vezes no dorso daquela mulher clara, de imensos cabelos lisos e pendurados, roçando suas ancas erguidas, duras, redondas. Mas logo sua lembrança migrava a um real vivido.
Lembrava-se do homem que a amara por merecimento, jovem ainda, apaixonado por ela a dizer-lhe, o hálito quente das palavras escoando em sua nuca eriçada: "olha só, eu sou maratonista...(rindo cretinamente)...pode ficar calma: vou ficar dentro de ti, de todas as maneiras, te tratar até os pássaros começarem a cantar, de manhã (disse, sussurrando no ouvido do mundo, e a voz escondida de um homem é beira de praia em dia perfeito); disse, "relaxe e se apóie na guarda e nos travesseiros, deixe comigo, deixe comigo, deixe tudo comigo...". Só em pensar que aquele cara tinha sido gentil todos aqueles anos, que era seu amigo, e que eles nunca tinham tentado ter uma relação com pessoas tais como eram, um para o outro, pensado ser aquilo possível, durante o início de suas juventudes, eles casando sempre com outras pessoas; só ali, aos quarenta, quando os sonhos já estavam um pouco mais falidos, quando ter algo no lugar da família parecia ser o significado restante, do nada, se viram finalmente.

Aquele mesmo cara de sempre, ela soubera, tinha feito aquilo mais milhares de vezes na vida dela, dentro da vida dela afora, até quando mais velhos, ainda que necessário ativar a lembrança nos momentos de sexo envelhecido e restante. Sempre que lembrava dele, de seu cheiro, aquela sua tenacidade, só em pensar já ficava vertendo uma ânsia desatinada e sem absolutamente nenhum deus por perto. Mesmo velha e só, gozava aquele gozo dos heróis retornados ao descanso merecido. Às vezes pensava que morrer deveria ser, provavelmente, algo parecido com isso.
E que nossas heresias nos salvem da mesmice telenovélica cotidiana! Toda potência ao criativo orgasmático!
ResponderExcluirGrata pelo comentário, new aton, prazer em recebê-lo(a)!
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