Vigiar e Punir no Brasil em 2015 - por Carmen Sylvia Ribeiro


 Ligue a televisão e tente fugir de filmes e reportagens cheias de sangue, guerras, mortes espalhadas pelos cenários de fim de mundo, você terá que migrar para uma comédia pastelão, ou para um jogo de futebol, onde verá jogadores saírem de campo sangrando, ou carregados em macas com pernas quebradas. Isso entremeado por propagandas de carros último tipo, caríssimos e desnecessários, velozes e digitais. Tente então uma aulinha de culinária saudável com a Bela Gil, ou programas de desenhos infantis. Fora das telinhas da grande mídia você terá paz na sua casa, quando chegar esgotada (o) de um local de trabalho insano e cheio de mesquinharias e perversidades. Depois de passar por um trânsito belicoso, no qual terá de se defender de motoristas que estão prontos para bater em você. Mas você, afinal, está bem e diz a regra geral que deve, é seu dever, estar sempre feliz e otimista, porque é uma pessoa livre. Há os que estão presos e, entre eles, trinta e cinco mil mulheres, a maioria condenada por tráfico de drogas. E há os homens presos, a maioria negros e jovens. Agora, os que mandam querem prender as crianças junto com os homens. Os meninos negros estão sendo analisados pelos que mandam. Abaixo um lindo texto da minha querida amiga Carmen, alinhavando ideias sobre o renovado "Absolutismo" brasileiro, a dar inveja aos mandatários retratados na obra de Michel Foucault, Vigiar e Punir, no qual o autor conta porque os esquartejamentos praticados nos séculos XVIII em praça pública eram um "programa" de grande audiência, com um público cativo aplaudindo cenas de braços e pernas arrancadas de homens amarrados em vários cavalos em fuga. Suplícios de antigamente superados por suplícios televisivos e pós-modernos.  Boa leitura.

Foto: Arli Pacheco. Uma barata esmagada nas ruas do Rio de Janeiro, 2014.
 

Mídia, presídios e religiões 

Alguns cultos religiosos a mídia persegue ou ignora, mas tem um gosto pelas religiões de cultos orientados por carismáticos que rendem programas com audiência garantida. E principalmente apreciam muito a parte dos donativos gordos que garantem a compra de horários nas emissoras, algumas já de propriedade das instituições religiosas. Acham bacana ficar ajudando "alma" que não é preciso muito esforço para a salvação. Não importa as vigarices e nem a manipulação, desde que seja um espaço bem pago. Mas quando o assunto cola no debate sobre as "almas" mais perdidas, já a reportagem muda de tom.

Sobrou no último domingo o preconceito e ficou descarada a encomendada, em tempos de discussão das condições carcerárias no Brasil e da discussão da maioridade penal. Afinal a violência rende uma boa audiência e provocar emoções e sentimentos mais primitivos, é a especialidade da rede Bobo. Usando a ingenuidade de religiosos tiveram acesso aos espaços de terapia e ajuda, mas na tentativa de desmoralizar a dedicação de uma comunidade empenhada na recuperação de apenados. A intervenção alternativa dos religiosos que tem destaque pela capacidade de transformar as vidas de pessoas - que permanecem cumprindo suas penas e privados de liberdade - foi manipulada como "privilégios" indevidos e confrontadas pelas manifestações de familiares de vítimas marcadas pelo sofrimento de perdas. Uma exploração desumana e sensacionalista.

 Não preocupa essa mídia os percentuais de população carcerária no Brasil ou a mortalidade de jovens negros e pobres, ou a violência recorrente das ruas e da vida moderna. Desqualificam um ambiente quem sabe capaz de mudar histórias de violência e reincidências, em nome de que interesse? Para a mídia a privação de liberdade para cumprimento de penas não visa a recuperação ou a ressocialização de apenados, mas a tortura e a vingança. Tão reflexo! Mas pode a privatização dos presídios, é claro, será esse o motivo? Sempre existe um motivo, nenhuma matéria é produzida por esses senhores no acaso. É isso, estão em campanha, aplaudindo até o próximo crime do eterno solta- prende do sistema carcerário brasileiro. Rende patrocínio, rende audiência e espetáculo. São negócios.

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