Funck feminista




Um programa de televisão com uma linda mulher loira, magérrima e irônica, mais uma mulher velha e  professora e mais uma comediante risonha. Elas dizendo que o orgasmo que se tem só, chamado "clitoriano" é fácil demais e pode virar vício. Todas convencidas e ensinando: mulheres podem e devem buscar experiências mais interessantes e atingir orgasmos vaginais e prazer no corpo inteiro. Acompanhadas de um parceiro masculino. Plin, plin.


Uma história real de orgasmos vaginais breves com homens jovens aos vinte anos, namorados e maridos, delicados  amores  alegres e superficiais.  Elas tendo filhos e trabalhando duro, e sentindo ir-se a juventude até a separação e a irremediável solidão. Todas tendo orgasmo clitoriano:  sem homem, nem ninguém, só a fantasia de um coito muito viril e de longa duração sustentando esse agora enorme gozo. Avalanche inundando a  percepção. Vida nua.

A perfeição totalitária é um doente depressivo e paranoico falando, compulsivo, diante do analista: todos devem ser como ela quer. Assim, a democracia atual vomita uma profusão discursiva em elogios a si mesma e abocanha todos os enunciados possíveis de um passado onde existiam atores sociais em disputa de idéias e propósitos. Agora, todos devem amar, viver e trabalhar na mais perfeita ordem. Os orgasmos devem bater continências  vaginais. 

As notícias de desastres, matanças, assassinatos vêm pela manhã e à noite as novelas e o futebol. Na janta é proibido sofrer e todos devem ser felizes, conformados e esperançosos. Depois deve ser feito sexo, duas ou três vezes por semana, com preliminares e orgasmos vaginais. É proibido divulgar ou denunciar a ausência de orgasmo; é proibido dizer desaforos no facebook, penalizada a ocorrência de xingamentos a nomes próprios de pessoas dignas.

Uma velha gorda e bêbada que manda emails histéricos parecendo estar feliz e realizada sempre, sempre, sempre e, no entanto, sofre kafkianamente. “Ademais, a mulher também possui uma região sexual convexa – o clitóris, menor, mas talvez mais potente em prazer do que o órgão masculino (orgasmos cada vez mais sustentados)"  diz Mary Jane Alan Watts, que as intelectuais só podem ler escondido e no banheiro. Está me dando vontade de ler Virgínia Woolf.

Uma elite política da era do cara que quis ser uma espécie de filho de Getúlio, e todo mundo adorou de um modo tão paraguaio. Uma multidão de jovens negros em prisões imundas e seus filhos fumando crack nas ruas ou sobrevivendo bem, limpos e dançando funck, uma música que vem do jazz e tem uma letra terrorista muitas vezes:  fala de um sexo estúpido, boçal. As senhoras estudadas odeiam: devem ter educados orgasmos vaginais. Com homens.

                                                                                  versão dois

2 comentários:

  1. É o que eu chamo da ditadura do orgasmo. Não acho que vc tenha que reescrever, o texto está limpo, claro e atinge o seu objetivo de resistência lúbrica. Bom ler este tipo de reflexão. Muito bom. Ás vezes me sinto solitária por reagir a esta estupidez, não digo vaginal, mas peniniana.

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    1. Bahhh....legal, gostei...fiquei com receio de ser inadequada...grata!

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