Sim, amigo, entendo isso de a
ideia dos tais “coxinhas” como uma classe média desagradável ser um pensamento
consolidado no PT e, portanto, em grande parte da esquerda brasileira. Eu
entendo que a academia produziu esse discurso durante a era lula e dilma, e
esse foi um dos principais discursos trágicos do PT. Vc me dizer que o Lula não
está inventando a roda é um argumento bom de analisar, porque está claro que o
conjunto político que vc chama de "Lula" deve, precisa, inventar algo
como uma nova roda, do contrário continuará afundando na impotência. O bloco representado pela candidatura Lula
para a presidência do país, a se definir nas eleições diretas de 2018, ergueu
esse discurso com centralidade desde o primeiro mandato do Luis Inácio, no
início dos anos dois mil, desde quando o Betinho protagonizou a campanha contra
a fome. O PT se elegeu elogiando a dignidade dos pobres e humilhando o sucesso
parcial e incômodo da classe média. O discurso da luta das fábricas, bancos,
prestação de serviços públicos e universidades foi, então, substituído por esse
discurso contra a pobreza extrema, justo no momento em que o Lula eleito no
primeiro mandato – com a permissão da Rede Globo – encaminhava a primeira
grande reforma da previdência no serviço público. Nos mandatos da Dilma foram
reforçados e passaram à dianteira do sistema discursivo do PT as falas das
minorias políticas – mulheres, negros e glbt –impulsionados por entendimentos
sobre políticas públicas. Eu diria que a produção discursiva do Partido dos
Trabalhadores ficou subordinada a algoritmos (sistemas inteligentes de controle
de funcionamento de organismos coletivos humanos) engendrados nas
universidades, nas organizações não governamentais, nos movimentos sociais de
minorias políticas, nos órgãos municipais, estaduais e nacionais de realização
de políticas públicas.
Vamos tentar analisar o problema
de um ponto de vista independente da ação desses algoritmos que contaminam o
PT, em suas várias frentes. O fato deles, a base social do golpe temerista,
serem de classe média não explica a produção dessa base social, pois eles são
um índice pequeno perto do índice de classe média que apoia o Lula. Mas o uso
dessa identidade "classe média" para caracterizar o "mal"
induz uma parcela significativa do restante da classe média a pensar que ela
não é qualificada para fazer política. Induz o trabalhador ou desempregado
pobre a odiar quem tem alguma renda estável, moradia e segurança mínima. Induz
as pobres diaristas a desprezarem as empregadoras menos nobres, menos ricas. Induz
a separação entre os pobres e a classe média. Não é porque eles, os camisa
verde-amarela, são de classe média que são transtornados, incultos, portadores
de uma coragem apoiada na liderança dos empresários da grande mídia nacional,
portadores de um pensamento paranoico e ingênuo. Seria muito mais inteligente e
potente - como discurso - chama-los de CONSUMIDORES INGÊNUOS(NAIFES) capturados
por algoritmos da gerência do grande capital financeiro. A galera das redes
sociais entenderia muito melhor. Isso levaria ao cenário político um debate
sobre o consumismo coisificado, o consumo predatório e destrutivo da espécie
humana. Mas os acadêmicos que controlaram o discurso petista, de 1990 até ontem,
não sabem pensar de um modo mais complexo porque são aprisionados dentro de
"franquias" de pensamento. São contaminados por algoritmos
desatualizados, pensados desde 1990, que foram inoculados no tecido do que
viriam a ser as redes sociais, de quando havia alguma possibilidade de haver
uma globalização humanista no planeta, alavancada pela ideia de “um outro mundo
é possível”. Essas franquias dentro das universidades são controladas, em sua
produção, pelo gerenciamento de tipo neoliberal dos financiamentos de pesquisa,
da produção acadêmica, da formação de nomes nas universidades. Um pensador
acadêmico desse tempo neoliberal nas universidades precisou forjar um discurso
compacto e não pode se afastar dele, sob pena de não ser mais reconhecido. Ele
foi obrigado a ser uma franquia para ser reconhecido como pensador nobre. A
inteligência petista foi aprisionada dentro de um campo estreito de lógica de
linguagem. Atualmente ela se compõe de um somatório de franquias discursivas,
cada qual lutando para preservar sua imagem e identidade formal e química.
Mas o Lula, como você bem colocou,
é um. Ele é um ser humano real, um pensamento humano que tem o poder de escapar
das engrenagens dos mais eficientes robôs e seus algoritmos. E agora não é o “Lulalá”,
aquele Lula ingênuo tentando chegar ao posto máximo de poder no país Brasil.
Agora é o “Lula aqui”, com o sentido de “quem somos, que poder temos e que
poder queremos ter”; com um sentido nacionalista retrô que, por isso mesmo,
pode ser imune aos algoritmos da globalização neonazista. Podemos estar diante
de um cenário em que a inteligência da robótica de última atualização só possa
ser vencida por uma inteligência muito superior e humana que tenha a capacidade
de ser mais “burra” que a máquina, mais antiga, em versão desatualizada. É
nesse fluxo que apareceram todos os acontecimentos insurgentes, desde o 11 de
setembro. O ataque às torres gêmeas obedeceu essa lógica – o pensamento mais
antigo fora do contexto da última atualização é capaz de não ser lido pelos
controles da inteligência mais sofisticada. Usando uma metáfora: o computador
não pode ler um disco de vinil. É também nesse fluxo que apareceu o Trump, o
Brexit e outros cenários tidos como “burros e atrasados”. Mas todas as reações emergentes,
até agora, foram de direita, foram em linhagens do pensamento mais patriarcal e
bélico, fundamentalista. Não temos ainda uma reação emergente no campo da
esquerda. Nesse campo temos apenas franquias capturadas, contaminadas pelo modo
gerencial da “qualidade total” neonazista. Então seria fundamental que as
franquias erguidas durante a era de ouro do petismo bem sucedido e de resultado
fossem abandonadas, porque elas carregam, todas, conceitos de eficiência
construídos pelas ideias de “o mais moderno modelo”, “o modelo que funciona
melhor nas redes de visibilidade discursiva”, e esses modelos são integrados ao
cartel de algoritmos da globalização genocida.
Mas é preciso muita coragem para
sair dos formatos de franquias acadêmicas, pois isso implicaria na perda das
regalias e seguranças econômicas dos financiamentos editoriais e de pesquisa.
Implicaria em aceitar cair em um determinado anonimato, ou em uma enorme perda
de visibilidade. E isso é possível que os grandes discursos competentes, como o
da Marilena Chauí, não possam mais fazer. Como os drogados em crack, ou
cocaína, ou mesmo no inofensivo e mortal açúcar, não podem largar seus vícios,
mesmo diante da morte certa. Então, todo o cenário do “Lula aqui” depende de o
Luís Inácio conseguir envolver-se com um coletivo de lideranças que rompa com
os controles das franquias e dos algoritmos mais atualizados. E ele tem
capacidade física e química para fazer isso? Tem. Ele é um humano, é brasileiro
e é o líder que a nação escolheu. E os dados rolam no tempo.
versão um. foto : Luiz Eduardo Robinson Achutti : Freitas, o último lambe-lambe, e o grande Silvio Tendler e seu neto Ernesto
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