O primeiro de abril brasileiro deste ano de
2014, o dia dos bobos, das mentiras, do início da ditadura militar estendeu-se
por vários dias e foi inesquecível ao mostrar que as elites produtoras e
controladoras dos discursos (as falas publicadas, as escritas divulgadas na
mídia, as imagens que são vistas por todos, ou pela maioria da população) são
violentas, desrespeitosas, cruéis com a população brasileira e não estão preocupadas
com os direitos de cidadania para mais de 65% dos indivíduos habitantes desse
país (usando o mesmo índice de estatística que foi utilizado pelas gerências
nacionais (de esquerda e de direita) tanto na divulgação da famosa pesquisa do
IPEA, quanto nas críticas, ensaios e crônicas publicadas amplamente nos
jornais, revistas e redes sociais.
Hoje, dia cinco de abril, lê-se no jornal Zero
Hora da região sul do país, a manchete de capa: “menos terrível, 26% (e não
65%) acham que mulher com pouca roupa merece ataque – Ipea reconhece que errou
em divulgação de pesquisa, mas tolerância à violência ainda causa preocupação”.
O que significa dizer o seguinte: toda a grande imprensa, média mídia, blogs
emergentes e murais do facebook mais visitados que havia inundado o fluxo discursivo em torno do dia primeiro
de abril com avaliações de como e porque a maioria da população brasileira,
homens e mulheres, era desprezível em suas opiniões tacanhas (e estúpidas de um
modo exagerado) estava errada, já que a estatística estava errada, mas o povo
brasileiro ainda merece ser visto como razoavelmente portador de opiniões
desprezíveis, tacanhas e estúpidas e precisamos continuar mantendo um bom nível
de rejeição à dignidade política e moral da população brasileira, pois somente
quando toda ela inteira, sem variação para menos ou para mais, responder o que
a elite quer ouvir, então homens e mulheres no Brasil merecerão respeito.
Continuamos, portanto, vivenciando o “dia dos bobos”, das sacanagens, das
mentiras, dos sustos desnecessários, o primeiro de abril eterno das elites
brasileiras, de direita e de esquerda.
Há um detalhe importante nesse eterno primeiro
de abril brasileiro: a velocidade com que a engrenagem de mídia é movida,
constituída, desconstruída e reformada para novo conjunto estético em sucessões
de fatos e notícias no espaço de duas semanas. Isso ocorre de tal maneira, que uma pessoa
como eu, dona de computador, acesso à internet e capacidade de escrita e
participação política construída em 55 anos de vida, dos quais 50 anos
dedicados a atividades intelectuais diárias, em escolas e instituições e fora
delas, não consegue depor sua opinião até o presente momento. O tal povo comum
deplorável em suas opiniões não consegue falar a tempo de participar do
carrossel das falas públicas por várias razões. Uma, porque trabalhamos como
escravos e temos pouco ou nenhum tempo para ler e escrever e fomos soterrados
por uma avalanche de repúdios ao “povo brasileiro estuprador” que incluiu até
mesmo idílicas imagens de Angelina Jolie, a dar inveja a Madre Tereza de
Calcutá, quando não conseguíamos entender direito o que as guerras europeias e
os massacres de mulheres e civis na Bósnia tinham a ver com a estatística do
IPEA . Eu mesma, sem direito a palavra
por causa da tristeza provocada por uma súbita e assustadora expulsão de um
blog coletivo (sobre a qual não vou falar porque é comum isso nas redes, grupos praticarem
assédio contra indivíduos isolados, e todos sabem como esses linchamentos
acontecem), mesmo tendo um computador em casa, não conseguia entender a imagem da Madre
oscarizável senhora Brad Pitt, linda, sempre adequadamente linda ao comover-se
com a dor dos massacrados, divulgada na televisão junto com a estatística do
governo Dilma de que a maioria dos brasileiros e leiras eram defensores do
estuprador.
Agora, que o assunto já deve ter saído de cena,
deixando apenas mais um rastro de assédio moral dirigido à população
brasileira, agora que o assunto já deve ser outro, venho aqui dar um “pio”. Lembro-me, nos tempos idos da ditadura militar,
quando meu pai me disse uma vez: “e tu não me dá nem mais um pio!”, e eu fui na
frente dele, encarei e disse: “pio”, levando imediatamente um tapa no rosto,
leve para não marcar, pesado para não esquecer minha impotência absoluta diante
da violência. Dar um pio. Toda a polêmica gerada pelo IPEA, que é um organismo
diretamente ligado à Presidência da República, e abraçada sem pestanejar pela
maior parte da esquerda dona de algum meio de comunicação, entrou e saiu de cena
sem que o objeto do assunto, o tal povo brasileiro, pudesse dar um pio.
Estou dando um pio hoje, mas já vou avisando
que a esse “pio” seguem-se mais dois. O primeiro chamar-se-á “O silêncio dos
inocentes” e tratará do modo como nós meninas, meninos e mulheres somos
estupradas, estuprados, molestadas e molestados nesse país. O segundo “pio” versará sobre os pensamentos e
práticas da esquerda brasileira, e chamar-se-á “Pregnância e difusão da
crueldade nas práticas e tradições da esquerda brasileira” e abordará
diferentes modos de exclusão da população brasileira do exercício de direitos
de cidadania a partir das práticas da esquerda.
Como “pios” costumam levar bofetadas quando não
silenciam, não estou preocupada nem com a presteza em participar do tempo certo
das pautas de mídia neste país, nem com a amplitude do alcance destas minhas publicações. Até mesmo porque, o que está visível e no ar no Brasil desde
primeiro de abril de 1964 até hoje, ou melhor, desde que esse território de um
povo indígena foi conquistado em 1500 na verdade, não são os “pios”, são as
bofetadas que nós, os molestados e estuprados levamos todos os dias.
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