A lógica da pedofilia como engrenagem política


Há os que esperam o fim do golpe e o começo de um rearranjo menos infeliz para a população brasileira; que até 2018 aconteça uma retomada de força política de uma frente ampla democrática e republicana capaz de fazer acontecer um processo eleitoral legítimo.
Há os que esperam uma tomada de poder pelo comando do exército, uns querendo uma ditadura militar por muitos anos, em um desejo retrô, outros querendo uma hipótese nunca ocorrida de um arranjo via poder militar para a realização de uma refundação republicana. Essa última ideia parecendo delírio, assim como a retrô também.
O mais patético de tudo isso é que o exército não tem como ocupar o comando político, e o comando do exército sabe disso. Simplesmente não é possível imaginar o exército ditando leis, quando essas leis estão sendo desmontadas agora, em meio a um cenário político de aparente degradação irrecuperável das estruturas republicanas. Mas é uma degradação lenta, tecida por maquiavélicas engrenagens aparentemente legais, formalmente legais. Por ser assim, muito lenta e superficialmente legal, essa degradação imobiliza qualquer outra alternativa política que não ela mesma, degradação. E o exército é posto nas ruas, lentamente, quase como se o governo e o judiciário estivessem envergonhados pela imoralidade do que impõem à população, como cordilheiras de maldades sobre flores inocentes e rasteiras. E o exército vai para as ruas com pena da população civil. E a população civil apieda-se de si própria. Um brutal e devastador silêncio vai se impondo. Torna-se hegemônica a ideia de que vivemos um cenário que lembra a condição indefesa da infância diante da pedofilia.
No entanto, não se trata de uma infeliz criança desprotegida, abandonada. Tão pouco se trata de uma maioria de frágeis despossuídos de capacidade de defesa: crianças, mulheres, homens e velhos pertencentes às classes mais pobres e excluídas do controle sobre os bancos e as grandes empresas donas de capital de diferentes procedências. Trata-se de todo o conjunto das cidades grandes, médias e pequenas, cidades brasileiras; trata-se de todo mundo, toda a nação. Há um silêncio crescente invadido pelo barulho senil das falas dos âncoras das televisões. Um silêncio que sofre em silêncio e tenta sobreviver. E é exatamente esse silêncio que se esforça em sobreviver a caracterização do acontecimento que leva o nome de pedofilia. A diferença é que agora, no Brasil, todo mundo sabe e, no caso da criança atacada, não há testemunhas que a possam defender.
A nossa defesa, portanto, é esse entendimento: somos todos testemunhas, temos os olhos das testemunhas, temos consciências de testemunhas. Toda a nação brasileira tem. E essa é a nossa arma, a memória coletiva. E o exército brasileiro sabe disso, tanto os soldados, quanto os generais. Há um impasse, portanto. E a tensão desse impasse é inédita, na história do Brasil.

Um comentário:

  1. Sim, um impasse jamais visto ou sentido, e todos nós estamos no meio dessa tensão feito crianças inseguras... Belo texto, Dinah.

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