Manifesto Feminista de 1990 - Não comemore o 8 de março

Resistência em Série
MANIFESTO FEMINISTA
Existem muitos dias comemorando vários tipos de pessoas. Dia do trabalhador, dia do índio, dia do negro... O dia do trabalhador não é o dia do índio, o dia do índio não é o dia do negro, o dia do negro e do índio não é o dia do trabalhador. O dia do professor não é o dia do pai, o dia do pai não é o dia do professor. O dia da mãe não é o dia da professora, o dia da professora não é o dia da mãe. O dia da criança não é o dia de todos os filhos e nem todo o filho teve o direito de ser criança. O dia do pai não é o dia do namorado, o dia da mãe não é o dia da namorada, o dia dos namorados não é o dia do pai nem da mãe e o dia da mãe não é o dia do trabalhador.
O dia da eleição não é o dia da liberdade, o dia do trabalho não é o dia da liberdade, os dias do pai, da mãe e da criança não são dias de liberdade. Não existe liberdade no dia-a-dia e os dias do Planeta estão contados.
No primeiro dia Deus separou a luz das trevas. No segundo dia, Deus formou o céu da terra. No terceiro dia, Deus criou as plantas, as frutas e as sementes. No quarto dia, Deus criou répteis, aves e animais domésticos. No sexto dia, Deus criou o Homem para dominar os répteis, as aves do céu e os animais domésticos. No sétimo dia, descansou após a obra que foi feita. Deus criou a mulher para auxiliar o homem no 8º dia? Esses são os dias da Bíblia.
O 8 de março é o dia internacional da mulher. E o dia da mulher é o dia de quem?
No nono dia, Deus condenou o homem à dor do trabalho e a mulher à dor do trabalho de parto. Depois disso o homem criou a fábrica e a fábrica condenou a mulher à dor do homem, à dor dela mesma e a todas as dores. A fábrica dividiu os homens e o Grande homem que se adona das fábricas rouba o trabalho do pequeno. E todos eles, que saem da dor do trabalho de parto, roubam o trabalho, no privado e no público, da mulher. Eles roubam nosso corpo em todos os lugares.
O Capitalismo e o Socialismo mostram toda a sua violência:
- milhares de mortos na Romênia Socialista;
- a Nicarágua absurdamente tentando provar sua razão para os americanos-ingleses;
- os índios em extermínio, no Brasil;
-o massacre dos jovens chineses na praça da Paz Celestial.
Vencidas pela violência de Pequim, queremos derrubar todos os muros de Berlim. E no Planeta, o protesto das terras e das águas machucadas é não chorar ou chorar demais. Homens e mulheres têm medo da falta de chuva e medo da terra que desaba dos morros.
Na passagem do renascer surge o privado e o público, quando os homens inventaram a máquina a vapor e os cavaleiros e os nobres perderam o seu valor. Tornou-se proibido ao homem chorar em público. Chorar, que era um ato respeitável, prestigiado, torna-se sinal de fraqueza. Se o público tornou-se masculino e o público é coletivo, o feminino não faz parte do coletivo. Se a história é a manifestação das ações coletivas, o coletivo é sempre público e o público é masculino, o feminino não tem história. É a falta de...
Nós, mulheres, fazemos amor e carinho no privado, assim como choramos. Envelhecemos e nos tornamos doloridas lavando, passando, cozinhando, enquanto os poderosos capitalistas e socialistas fazem a guerra. A vida está no privado e o privado é um cárcere. A história do feminino está no privado, onde as lágrimas podem correr.
Se Deus criou a mulher no 8º dia e, no 8 de março de 1857, cento e vinte e nove mulheres operárias da fábrica Cotton, Nova York, foram vítimas de uma das chacinas efetuadas contra a luta/ dos oprimidos, nós, na verdade, no nosso dia-a-dia, não sabemos o que um “oito” tem a ver com o outro, nem o que eles significam. Por que a morte das americanas-inglesas vale mais do que a morte das americanas índias ou africanas? E por que a morte das operárias que morrem na fábrica é mais importante que as mortes de cinco mil mulheres que morrem, por ano, de aborto? E por que a morte destas mulheres vale mais do que a de Chico Mendes e de uma Augusta Floresta Encantada Amazônica? E por que 129 operárias da fábrica Cotton representam as mulheres rotas e alteradas, que criam crianças mudas e telepáticas, meninas cegas e inexatas? Não existe liberdade no dia-a-dia! Por que pensar nas feridas como rosas cálidas?
Aparecemos na fala da direita e da esquerda na frente de um tanque e comprando sabão. Só que a direita mostra a mulher na frente de uma máquina de lavar eletrônica e a esquerda na frente de um tanque de cimento. E nem a esquerda e nem a direita  valorizam o trabalho doméstico de limpar. Não temos o direito de ter filhos quando quisermos, não conseguimos ter os filhos que queremos. Não temos nada para comemorar. Hoje em dia nada mais podemos fazer, tudo já tem alvará, regulamento e programa. Calouro, eleitor e torcida em todo o lugar podemos ser. Se fizermos boca-de-urna, Sassá Mutema não há de faltar.
A nossa fala não é legítima. A não legitimidade da fala feminina em um mundo masculino é a nossa loucura. O nosso hospício é um hospício não legitimado que se dá no privado. E quando aparece no espaço do Collor, representado pela Míriam, ex-namorada do Lula, atrapalha tanto a direita quanto a esquerda. E tantas Mírians assustadas, querendo se libertar. E no mundo tudo embola:
- Aqui, no Brasil, um pastor anuncia a boa ventura. Cazuza Santificado ressuscita em turbilhões todos os torturados, e, em nome dos tantos milhões que Li Peng crucificou desmancha-se apoplético, aidético e exegético: minha vida é minha vida e porque é minha, minha vida, minha vida sempre será!
O mundo renascia:
O Rei Sol, absoluto, com poder de vida e morte sobre qualquer um: Luís XIV, declarou:
-eu sou todos os ministros. Eu respondo por todos os ministros. O Estado sou eu! L’Etá c’est moi!
O Estado tem sido, em toda a nossa história, um homem só ou um grupo de grandes homens. O capitalismo está destruindo o Planeta. O socialismo nunca defendeu a felicidade do homem, da mulher, da infância, da velhice e da natureza. As mulheres sempre criaram a vida. Cada pequeno homem, na casa e no coração de cada mulher é fraco e infeliz, mas poderoso. Somos todos culpados, somos todos inocentes.
Mírians somos todas nós se não há censura. Esperamos um príncipe encantado, esperança justa e legítima. Mas por que apostar na espera desconhecida, se esta significa a destruição do Planeta? Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Todos os príncipes sempre nos maltrataram. A Espécie Humana sempre foi governada por homens destrutivos e mulheres submissas.
Malditas e enlouquecidas. Mal-amados e perdidos. Trabalhadoras, índias, negras, professoras. Pais, mães e crianças. Filhos e filhas: não tendes direito a nada, nem ao corpo, nem à alma e nem à palavra cantada.
Subir a montanha sagrada, renegar todas as tábuas, encher o corpo de espíritos, falar para todo o horizonte. Plin, plin: Despertar a China inteira em nós.
Passo a passo, pedra a pedra
Vamos construindo sonhos,
Vamos fazendo edifícios cheios de esperanças novas e nossas.
Passo a passo, pedra a pedra, vamos regando desertos de ferro, cimento e areia.
Vamos derrubando portas, vamos cortando as cadeias.
Passo a passo, pedra a pedra lutamos numa guerra civil para sair inteiras.
(Poema de Arinda Ojeda, presa pela ditadura militar chilena)

NO 8 DE MARÇO:
- Não comemore.
- Pense em quem você foi até agora na vida.
- Faça uma meditação em reverência à vida, à paz e à liberdade.
- Olhe-se no espelho.
- COLOQUE-SE EM POSIÇÃO DE RESISTÊNCIA.
- Tente publicar, na íntegra, o texto em algum jornal.
- Converse com mais duas pessoas sobre o texto.
ALERTA FEMINISTA
Janeiro/90
Dinah, Laura, Lelê, Pacy, Sirley, Tiane






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