Dos erros da esquerda - o admirável mundo novo


Li um comentário, na timeline de um amigo, sobre os tais acertos do PT. Acabei escrevendo o que segue:
"Dá vontade de copiar e guardar como memória de uma época. Senhor, bom dia. Eu tenho 58 anos e fui da fundação do PT, antes disso, do movimento contra a ditadura, no final da década de 70. Olha, não dá pra combater o capitalismo achando que os donos do poder vão deixar a socialdemocracia ganhar eleições e distribuir renda, aos poucos, até transformar um país colônia e de tradição escravista em uma Dinamarca. Essa ideia, levada adiante pelo "lula paz e amor" de 1990 em diante, alavancada por publicitários e por economistas que desejavam gerenciar a economia nacional para ver se conseguiam fazer um capitalismo mais legal, mais equilibrado, essa ideia de distribuição de renda paulatina dentro do capitalismo é ligada às teses da segunda internacional, teses que o brizolismo do PDT formulava também, mas de um modo articulado com a ideia de sindicalismo forte. Era um tema difícil e o PT surgiu combatendo esse olhar do PDT. Só por isso o PT se formou, para ousar em um sindicalismo forte. Quando o Lula se elegeu, as terceirizações e os processos de mudança dos modos de produção gerados pela tecnologia dos computadores estavam entrando e durante os governos do Lula se desenvolveram freneticamente. E foram esses processos que paulatinamente derrubaram a força de qualquer sindicalismo. Somado ao combate que o Lula efetuou diretamente sobre sua base social mais fiel, os servidores públicos federais, quando fez a reforma da aposentadoria do setor, logo após se eleger no primeiro mandato. Aí o partido dos trabalhadores deveria e poderia ter construído um pensamento, a partir de seus intelectuais, sobre a importância da vida dos velhos, da qualidade de vida da população, não em termos de "ganhar dinheiro e comprar", mas em termos de tempo livre e paz de espírito.
Esse combate do Lula gerou uma espécie de efeito (aquele do sequestrado que se apaixona pelo sequestrador bonzinho) masoquista, produzindo uma liderança sindical ligada diretamente à propaganda do governo, nos sindicatos de servidores federais. Nas universidades, a política de financiamentos e produtividades anunciava um nível de perda de direitos, de perda de valor para a pesquisa independente, e isso tudo gerou um entendimento subconsciente de que algo havia dado muito errado na estratégia da esquerda. Em paralelo, os partidos de direita cresciam na Europa, anunciando a crise do pensamento socialdemocrata e a não existência de resposta eficiente vinda dos movimentos marginais, punk e anarquistas de todo o gênero. Progressivamente o sentido do agrupamento formado como "terceiro setor", reunido nos Fórum Social Mundial, foi anunciando a falta de projeto potente e descortinando os seus encontros como grandes feiras, shoppings de organizações não governamentais que mais pareciam empresas acomodadas em suas estratégias de sobrevivência dentro do capitalismo em mutação. Isso gerou uma espécie de pânico coletivo, subconsciente, como se a inteligência comum da sociedade inteira, a memória coletiva, soubesse haver algo de trágico por acontecer. Como quando o esposo(a) sente que o companheiro(a) está traindo e imediatamente nega, na sua cabeça, porque não suporta a ideia. Foi uma negação coletiva de uma realidade trágica. Precisamos entender o emburrecimento generalizado, investido nessa lógica do tal "salto de qualidade de vida que o PT promoveu". Não foi o PT, aos governos petistas foi permitido estar na gerência de um momento de desregulamentação das lógicas no mercado de trabalho, de explosão do consumo provocado pela irracionalidade capitalista do capital financeiro impulsionado pelas novas tecnologias. A loucura do golpe foi, de certa maneira, um vômito reacionário insurgente contra essa esquizofrenia do sequestrado que havia tomado conta dos petistas, das universidades, de grande parte da população. Foi, dialeticamente, um movimento contrário, louco também. Esse fenômeno de um enlouquecimento da memória coletiva é próprio de uma sociedade invadida, como a dos indígenas latino-americanos por ocasião da invasão dos espanhóis, com suas armas e seus cavalos. Ou como quando os portugueses invadiram a África e sequestraram negros em navios negreiros. E quem invadiu? A nova tecnologia, trazendo a ideia de um maravilhoso mundo novo, apaixonante, inevitável.  Mas os marxistas sabiam que novas tecnologias eram apropriadas pelos donos do poder em formatos de superexploração para acumulação primitiva de capital. Quando uma invenção surge, não há lei que determine seu valor e os donos da invenção jogam-na sobre a comunidade como tiranos, donos da vida de todo o mundo. Deuses. Vivemos um problema de natureza filosófica e religiosa, no sentido que a palavra religião carrega de dimensão desconhecida, onde fica o sagrado, onde a psiquê coletiva e individual planta suas imaginações belas e  ou terríveis. 


versão um. sem revisão

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