Hold on


Há um número cada vez maior de brasileiros assustados e entre eles há os que veem um ataque organizado por serviços de inteligência militares infiltrados em movimentos sociais pretensamente populares, isso aqui no Brasil, lá nos EUA e em vários lugares do mundo. Estou ficando preocupada com esse tipo de pensamento evoluindo dentro de uma parte da esquerda brasileira. Em paralelo, temos outra parte dessa mesma esquerda que se esforça para evitar aquilo que entende ser um tipo de pensamento ligado às tais "teorias da conspiração". Essa segunda turma, a do "deixa disso", escolhe então fazer análises de aparência tranquila, discutindo candidatos às eleições de 2018, no Brasil, por exemplo, como se não houvesse a menor chance de estar ocorrendo um verdadeiro apocalipse ou o desenrolar de um cenário de guerra mundial. Essas duas vertentes parecem, a meu ver, dois polos de uma polaridade fóbica, que não consegue imaginar estarmos vivendo uma grande passagem civilizacional, complexa e inédita.
É preciso pensar de um modo que não seja paranoico, ao vermos semelhanças entre as manifestações anti-Trump e as manifestação brasileiras de 2013. Temos a CIA, certamente, dentro de tudo isso. E temos vários tipos de interferências, militares ou civis, que são coordenadas por projetos de elites, sim, de vários tipos diferentes de elites econômicas ou culturais. Isso abrange movimentos de tipos variados, desde evangélicos (que vem sendo acionados até onde eu sei desde a década de setenta de um modo dirigido às populações indígenas não aculturadas da América Latina), passando por movimentos católicos, ordens secretas como as maçonarias e outras e até por franquias de tipo "feministas" que são operadas no mesmo formato desde a Rússia, passando pelo Canadá e EUA e chegando aos países latino-americanos. Até mesmo o anarquismo tem vários modelos que são padrões e que acontecem no mundo inteiro. As polícias de choque são semelhantes também. Há um acontecimento que é o mesmo e que é mundial. E nesse acontecimento mundial temos esquerdas, que também têm os mesmos formatos no mundo inteiro. É um grande, complexo e único acontecimento planetário e ele se caracteriza por um determinado conjunto de padrões. E dentro desse único acontecimento explodem lugares de violência limite, como a fuga de civis de cidades bombardeadas ou as rebeliões nos atuais campos de concentração, os presídios da população pobre integrada a configurações de comportamentos ilegais.
Há uma dose grande de uma nova racionalidade - que aos olhos dos mais velhos parece uma irracionalidade - e ela se move em dinâmicas que teóricos mais recentes tentam descrever usando novos conceitos. Como o Bauman, e suas ideias de mundo líquido. Eu, por exemplo, dentro dos meus modestos limites de conhecimento, passei a usar a ideia de "transbordamentos", para descrever essas precipitações que alguns teóricos chamam de "acidentes", não por serem "naturais", mas por serem súbitos e explosivos. Nesses casos, sim, podemos encontrar enormes semelhanças nas manifestações contra o novo presidente americano, o Trump, e as manifestações de 2013 no Brasil. Mas essas padronizações se dão em muitos outros níveis da vida em sociedade, elas ocorrem o tempo inteiro, desde a necessidade de uso de uma bolsa Luis Vutton, mesmo que falsificada ou revendida em brechó, até a evolução da história das tatuagens, que ainda na década de setenta do século passado era uma prática restrita a presidiários, marinheiros e poucos jovens rebeldes. Hoje, em 2017, a tatuagem é um padrão dominante para a maioria da população jovem. O que estou tentando insinuar é que existem várias camadas de uniformização de comportamentos coletivos, e que muitas dessas camadas acontecem hoje na forma de precipitações, de um modo explosivo. Quando falo que todo o conjunto das dinâmicas no Planeta Terra estão a revelar uma grande guerra mundial, a terceira guerra mundial, estou tentando dizer que o conjunto do acontecimento indica o aumento progressivo do número de mortes de seres humanos posicionados em lugares mais fragilizados das sociedades civis. E digo que é uma guerra inédita, e que sobre ela as elites proíbem que se fale como sendo uma guerra e mundial, justo para que as reações à ela sejam impotentes, ou por alienação ou por paranoia coletiva. E não porque essas elites tenham o controle do conjunto da obra, mas talvez porque o controle severo de direitos de palavra e entendimentos visíveis (mídias grandes e médias) seja mesmo uma atitude inevitável de elites fragilizadas e mergulhadas em um acontecimento tendente ao caos. Talvez seja preciso que fique claro estarmos vivendo uma grandiosa passagem de uma civilização a outra, em uma velocidade jamais sequer sonhada por nossos pais.
Mas uma coisa é certa: não é possível culpar a CIA e um específico e antigo "imperialismo americano" por esse conjunto que estamos chamando de "barbárie". Eu acho mesmo que esse discurso antigo de culpar um certo imperialismo americano é parte dessa nova racionalidade, que parece cacofônica, autista, esquizofrênica. A CIA está na cena, certamente, mas tão atordoada quanto nós, a esquerda antiga, a esquerda dos veteranos. Uma coisa é certa: não adianta surtar e entrar em pânico. A velocidade disso tudo vai passar, chegará num limite, mesmo que seja a explosão de várias bombas atômicas ao mesmo tempo, ou a explosão de surtos incontroláveis de vírus transmitidos por mosquitos comuns. Ou bactérias imunes a qualquer medicação inventada por humanos. Mas de alguma maneira esse processo vai chegar a um final e um novo tempo começará. É preciso desapegar-se, assumir a compreensão de que isso tudo é um momento histórico e que vai passar. E, não querendo migrar para uma teoria fantasmagórica qualquer, há mesmo a possibilidade de que uma epidemia de quebra de racionalidades acompanhadas da emergência de padrões fóbicos seja um desses acontecimentos em série, no interior do aprofundamento da decadência da moderna civilização humana.Talvez apenas os que não entrarem em pânico consigam sobreviver e talvez o pânico mate mais gente do que as bombas. Mantenha a calma, estamos todos juntos.

versão um. sem revisão. foto: mercado (Cuba) Luis Eduardo Robinson Achutti

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