Segue um conjunto de recortes do texto Autocrítca da PO, assinado por Raul Villa e encontrado na “revista teórica da
tendência socialista”, janeiro de 1980,
número um. Parece que as prisões de Genoíno e José Dirceu nos fazem querer
entender o que foi a guerrilha no Brasil. O texto abaixo surpreende porque
mostra uma percepção, dessa vanguarda da época, de que a ditadura militar era
frágil e teria pouca duração. Em alguns pontos se torna tragicômico porque mostra militantes sendo presos e soltos logo
após para esperar o julgamento em liberdade e voltando à clandestinidade para
preparar organizações com objetivos de luta armada. Era um mundo no qual a Revolução Cubana batia
às portas dos corações desses militantes. O texto foi reproduzido na ordem em que
aparece na revista, com grandes recortes. Foi feita uma revisão delicada,
trocando “z” por “s”, em alguns momentos, modificando algumas concordâncias,
corrigindo pequenos erros de datilografia (máquina mecânica). Há uma pressa e
fragilidade imensa de quem o escreveu, parecendo ter alguma origem no português
de Portugal. Isso é um início de leitura do texto abaixo, em breve retomaremos
com uma segunda versão, com mais comentários.
O que virá a seguir é em
parte uma autocrítica, em parte um esboço de balanço da PO (e do POC no
período 68-69). É só em parte uma autocrítica porque seria desmedida uma
discussão sobre minha atuação passada. Não me centro pois nas minhas
responsabilidades, mas o balanço da PO é evidentemente uma autocrítica minha,
pois foi aí que vivi toda minha militância no Brasil.(...) Se me aventuro a dar
este primeiro passo é justamente porque uma das características da derrota que
sofremos em 68-70 foi que atomizou nossas forças. O esforço coletivo para
retomar o fio com as experiências passadas se encontra bloqueado por que fomos
separados pelas prisões, mortes, exílio e repetidas divisões políticas. Este esboço
de balanço é assim apenas uma parte da autocrítica necessária da esquerda
revolucionária nesses seus 16 anos que se iniciam com o triunfo da revolução
cubana.
(...)
Creio que podemos
formular uma periodização para facilitar o estudo. De 1961 a 64 a PO se
enfrenta numa luta ideológica contra o reformismo dominante. De 64 a 67 numa
luta ideológica contra o reformismo em crise. Em 68 e 69 se lança à
constituição de um núcleo partidário para buscar organizar as lutas da classe.
Com a cisão de 70, a nova PO se lança numa prática obreirista até 72. 72 e 73
são anos de sobrevivência burocrática. A partir de 74 temos o doutrinarismo
revisitado.
(...)
A Organização Revolucionária
Marxista Política Operária se constituiu no início de 61, reunindo pequenos
grupos marxistas de vários estados (Rio, Minas, São Paulo, Bahia, estendendo-se
logo para Goiás, Brasília, Pernambuco, Paraná). Teve por núcleo o grupo do Rio,
portador das tradições da III Internacional Leninista transmitidas pela fração
de Thaelheimer, que rompera com Stalin sem unir-se a Trotski. Fôra o grupo do
Rio que, após reunir militantes saídos do PC, depois do XX Congresso e bases da
juventude do PSB, articulou o desenvolvimento de outros grupos estaduais a
partir de discussões sobre o reformismo do PC, o caráter do desenvolvimento
capitalista brasileiro, das linhas gerais para uma política de classes em nosso
país. Para a reunião acorreram grupos marxistas da juventude socialista ou
trabalhista e ainda um pequeno grupo de São Paulo que se considerava “luxemburguista”
(seu núcleo, extremamente sectário, irá retirar-se da PO, caracterizada por
eles de oportunista).
(...)
Mas é importante notar
que a PO surge, a bem dizer, fora do movimento operário e qualquer organização
de massa existente. O fato dela não ter surgido como cisão organizada do PC, de
alguns partidos populistas, ou como fração de vanguarda de alguma frente de
massa, terá consequências no seu estilo de atuação. Se observarmos as
Organizações que surgem como fração organizada de um movimento maior (os
bolcheviques da social-democracia, o PC brasileiro do anarquismo, a AP da JUC,
o MIR venezuelano da PARA, a ALN e o MR8 do PCB, etc.), veremos que elas se
alinham por muito tempo (o tempo necessário para que seja gerada sua dinâmica
própria) da crise do movimento de onde surgem. Isso se traduz em parte do fluxo
de militantes e de áreas de apoio, relações e experiências acumuladas.
(...)
Para captarmos o papel da
PO naquela conjuntura será importante examinarmos como a esquerda e o movimento
operário reagem ante a crise que se anuncia. Para a ideologia nacionalista, o
desenvolvimento industrial do país traria sua emancipação econômica (pois ele
deixaria de ser exportador de primários e importador de industrializados,
segundo a divisão de trabalho imposta pelo imperialismo) e liberaria as grandes
massas da miséria causada pelo atraso rural (pois industrialização implicaria
mercado interno e logo “reforma agrária”) e pela espoliação imperialista (dada
a dependência da economia agro-exportadora). A vitória de JK em 55 expressa a
vitória dessa corrente, que vai desde o PC até o PSD. O predomínio dessa
ideologia é tal que desaparecem de cena as próprias categorias marxistas da
exploração capitalista e da luta de classes. Constitui-se o ISEB, matriz
ideológica dominante desse pensamento.
(...)
O ISEB se divide, ficando
sua maioria apoiando o projeto desenvolvimentista com todas as suas
implicações. O PC constata perplexo o aspecto “objetivamente progressista” do “desenvolvimento”,
mas insiste em que ele só se dará plenamente quando se liberar dos entraves
semi-feudais do latifúndio e da espoliação imperialista: com isso ele permanece
apoiando os aspectos positivos de JK e condenando os negativos.
(...)
Na medida pois, em que a
esquerda é incapaz de apresentar uma perspectiva de classe frente ao
desenvolvimento capitalista, a própria classe se divide. Enquanto os setores
sindicalmente mais sólidos tendem a apoiar o esquema desenvolvimentista dentro
da ótica que lhe dá o PC – pois os reajustes frequentes lhes defendem contra a
inflação, apresentada como condição de ampliação dos empregos – os setores
menos sindicalizados vão procurar proteger-se através do populismo janista que
lhes promete acabar com a “ladroagem” dos “cartolas”.
(...)
De 61 a 64 a crise vem à
tona e exige uma decisão. A renúncia de Jânio, a tentativa de golpe, a
conformação de um movimento pela legalidade e a constituição do governo de
Jango controlado pelo parlamento abre um período de deliberação acelerada. A
burguesia não sente garantias para a continuidade do processo de acumulação
diante do vulto das lutas econômicas da classe operária. Na esquerda
desencadeia-se então um processo de radicalização. A revolução cubana já passa
a ser o principal estímulo e exemplo a questionar as teses reformistas
tradicionais. A partir do movimento camponês se espalham as ligas camponesas no
pais, as quais servem de base para o desenvolvimento da uma variada militância
que foge dos padrões reformistas vigentes. A Juventude Católica, predominante o
movimento universitário, será afetada com a constituição da Ação Popular e o
movimento universitário como um todo tenderá cada vez mais para a esquerda.
Finalmente, do próprio PCB desprende-se o PcdoB reivindicando as posições
chinesas.
(...)
Nosso desenvolvimento
teórico se fez para combater as teses reformistas dominantes, mas muito pouco
para orientar nossa prática. E, do outro lado da moeda, o fato de que não era
nossa prática que alimentava nosso desenvolvimento teórico só poderia reforçar
os aspectos teoricistas deste. A estrutura organizatória será expressão e
instrumento dessa prática diletante onde o espontaneísmo, o federalismo, o
professoralismo teriam que impedir a PO de soldar num só elemento os vários que
lhe constituíram e dirigir sua energia para a constituição de uma efetiva força
revolucionária.
(...)
Ao final de 63, a Direção
Nacional toma consciência da necessidade de dar um salto no sentido de uma
prática profissional de massas. Seu órgão central, “Política Operária”, até
então uma revista teórica (em 62 saíram como jornal apenas 3 números, em 63
saíram 4 números da revista), passaria a ser um jornal semanal voltado para a
classe operária. Sua tiragem realmente representou um grande impulso nesse
sentido, a partir do começo de 64. Mas já o tempo foi curto para promover as
profundas transformações que seriam necessárias.
(...)
Face ao golpe, os aparelhos
reformistas caíram como um castelo de cartas e a perplexidade e a debandada dos
dirigentes não será mais que a expressão da miséria de suas concepções. Abre-se
um período de crise profunda de seus aparatos, particularmente do PCB. Os setores
combativos passam a voltar-se crescentemente para as forças da esquerda
revolucionária. (...) embora evidentemente não se tratasse de que as massas do
reformismo se passavam para a esquerda revolucionária, o fato é que teremos
núcleos inteiros de marinheiros, cabos, sargentos, buscando-nos para organizar
uma luta armada contra o regime; algumas bases pioneiras do PC que começavam a
questionar a linha e se dispunham a uma prática comum; grandes setores da
juventude estudantil que se incorporam à luta política a partir das políticas
revolucionárias.
(...)
Logo após o golpe,
reunindo militantes passados à clandestinidade e núcleos de marinheiros e
fuzileiros navais que se dispunham à luta, a direção procura organizar as bases
para um foco guerrilheiro e, ao mesmo tempo, para a atividade conspirativa no
interior das FFAA. Poucos meses depois, a partir de uma infiltração, a quase
totalidade dos quadros investidos nessa tarefa caiu presa. Mas essas perdas não
se revelaram irreparáveis. De um lado, o conhecimento de que a PO organizava
uma resistência armada lhe faz aumentar a audiência e o respeito. De outro,
pelas condições legais do momento, após o período “normal” das torturas, as denúncias
e campanhas feitas lograram que, pelo fim do ano, todos já esperassem o
julgamento em liberdade, podendo voltar à clandestinidade.
Naquele clima de crise
nacional, a idéia de uma luta armada contra o regime não aparecia como um
projeto de minorias extremistas, mas apenas como a iniciativa de uma vanguarda
capacitada que se visse de catalisador de uma enorme energia das massas batidas
e dispersadas. Brizola e o núcleo nacionalista estimulavam tal resistência, mas
fundavam seus projetos em levantes armados a partir de setores da própria
oficialidade do Sul. A base ativa para qualquer empresa do gênero era
constituída pelos suboficiais, soldados e marinheiros expurgados das FFAA e
passados à clandestinidade. O CN retoma em 65 o projeto foquista, opondo às
concepções brizolistas as de Guevara: um foco guerrilheiro como catalisador
para uma luta insurrecional. Dependendo-se mutuamente, a PO e os nacionalistas
chegam a acordos para o apoio aos dois projetos e à agitação comum. O fato é
que o apoio nacionalista jamais chegou sob a forma de recursos para a
instalação do foco e, de outro lado, os sucessivos alertas para iminentes
levantes no sul paralisaram sistematicamente a preparação da guerrilha. Em
suma, os dois projetos na prática não se apoiavam, mas se excluíam, disputando
uma base comum.
(...)
No começo de 66, a
direção faz o balanço dos recursos políticos e materiais para a guerrilha e
decide que ela deve ser vista num prazo mais longo, constatação que não vai ao
fundo de nenhuma das concepções que lhe haviam presidido. Por outro lado, a
concepção de um foco guerrilheiro, catalisador de uma luta insurrecional,
permanece como uma pela chave na arquitetura teórica de nossa estratégia,
ocupando um lugar que sem ele ficaria vazio.
(...)
Com o AI5 então a Direção
se paralisa, mesmo politicamente. Fundados em que o regime não possuía base
social e em que a retomada econômica teria fôlego curto, julgávamos que o
endurecimento militar não conseguiria se estabilizar. Nesse sentido, víamos o
refluxo de massas mais como um fenômeno passageiro.
(versão um – sem revisão)
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